Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol...


segunda-feira, 28 de março de 2011

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Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.



Gatos não morrem: mais preciso
- se somem - é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso
e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.

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Poema: Nelson Ascher
Arte: Govinder Nazran

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sexta-feira, 25 de março de 2011

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Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.



Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a “normalidade” é uma ilusão imbecil e estéril.


Poema: Oscar Wilde

Dedico à querida amiga Loli em seu aniversário.

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quinta-feira, 24 de março de 2011

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Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.



Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

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Poema: Drummond de Andrade. Balada do amor.
Fotografia: Robert Doisneau, Hôtel de Ville.

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quinta-feira, 17 de março de 2011

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Lua
morta


Rua
torta

Tua
porta

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Poema: Cassiano Ricardo, Serenata Sintética.
Arte: Tarsila do Amaral, Lua.

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sábado, 12 de março de 2011

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Querido, a noite inteira
Eu passei oscilando, morta, viva, morta, viva.
Os lençóis opressivos como um beijo de um devasso.



Sou por demais pura para ti ou para alguém.
Teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa a Deus.
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Poema: Sylvia Plath, 40 Graus de Febre.
Arte: Tamara de Lempicka, Dormeuse.

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quarta-feira, 9 de março de 2011

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Como um dia numa festa
Realçavas a manhã
Luz de sol, janela aberta
Festa e verde o teu olhar.


Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar
Eu não estou indo embora
Tou só preparando a hora
De voltar.
De voltar.

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Letra: Caetano Veloso, Um Dia.
Arte: René Magritte, The Son of Man.

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terça-feira, 8 de março de 2011

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Sou apenas uma gota a mais no imenso mar de matéria, definida, com a capacidade de perceber minha existência. Entre os milhões, ao nascer eu também era tudo, potencialmente. Eu também fui cerceada, bloqueada, deformada por meu ambiente, pela manifestação da hereditariedade. Eu também arranjarei um conjunto de crenças, de padrões pelos quais viverei, e no entanto a própria satisfação de encontrá-los será manchada pelo fato de que terei atingido o ápice em matéria de vida superficial, bidimensional – um conjunto de valores.

Meus Deus, a vida é solidão, apesar de todos os opiáceos, apesar do falso brilho das “festas” alegres sem propósito algum, apesar dos falsos semblantes sorridentes que todos ostentamos. E quando você finalmente encontra uma pessoa com quem sente poder abrir a alma, para chocada com as palavras pronunciadas – são tão ásperas, tão feias, tão desprovidas de significado e tão débeis, por terem ficado presas no pequeno quarto escuro dentro da gente durante tanto tempo. Sim, há alegria, realização e companheirismo – mas a solidão da alma, em sua autoconsciência medonha, é horrível e predominante.

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Texto e retrato de Sylvia Plath.

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quinta-feira, 3 de março de 2011

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Você compreende, sem alimento, depois de três dias de marcha, meu coração não devia estar batendo com muita força...

Pois em certo momento, quando eu progredia ao longo de uma encosta vertical, cavando buracos para enfiar as mãos, o coração me caiu em pane...

Hesitou, deu mais uma batida...Uma batida estranha...Senti que se ele hesitasse um segundo mais seria o fim.

Fiquei imóvel, escutando...nunca - está ouvindo? - nunca, num avião, me senti tão preso ao ruído do motor como, naquele momento, às batidas do meu próprio coração.

E eu lhe dizia: Vamos, força! Veja se bate mais...Hesitava mas depois recomeçava, sempre...
Se você soubesse como tive orgulho do meu coração!

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Texto: Saint Exupéry, Terra dos homens.

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