Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol...


domingo, 30 de janeiro de 2011

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Quando acordei esta manhã no quarto úmido e escuro, ouvindo o tamborilar da chuva por todos os lados, tive a impressão de que havia sarado. Estava curada das palpitações no coração que me atormentaram nos últimos dois dias, praticamente impedindo que eu lesse, pensasse ou mesmo levasse a mão ao peito. Um pássaro alucinado se debatia lá dentro, preso na gaiola de osso, disposto a rompê-lo e sair, sacudindo meu corpo inteiro a cada tentativa. Senti vontade de golpear meu coração, arrancá-lo para deter aquela pulsação ridícula que parecia querer saltar do meu coração e sair pelo mundo, seguindo seu próprio rumo. Deitada, com a mão entre os seios, alegrei-me por acordar e sentir a batida tranquila, ritmada e quase imperceptível de meu coração em repouso. Levantei-me, esperando a cada momento ser novamente atormentada, mas isso não ocorreu. Desde que acordei estou em paz.

Texto: Sylvia Plath
Arte: Egon Schiele

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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

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Se tu queres amar,
procura logo o mar.
Ali enlaça o corpo
salgado noutro corpo.


Tenta imitar a teia
das ondas e marés.
Dança na branca areia
Outro serás quem és."

Poema: Adriano Espinola
Arte: Merritt Chase

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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

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A terra gira para que todas as pessoas do mundo possam olhar
para o espaço em todas as direções. Assim cada um pode ver as
estrelas e tudo o que existe de qualquer lugar onde esteja...
não importa onde você mora, não há nenhum único pedacinho da
gloria do céu que ficará escondido de você.


É só que eu nunca tinha pensado que o sol reflete uma
luz emprestada de Deus, do mesmo modo que a lua
reflete uma luz emprestada do sol.

Texto: Jostein Gaarder
Arte: Maxfield Parrish

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sábado, 15 de janeiro de 2011

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Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...


Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas doces de um beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Poema: Florbela Espanca
Arte: Marc Chagall

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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

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Carne e osso não passam de terra e água, mas Deus
soprou um pouco do seu espírito dentro de vocês.

E por isso que há uma parte de você que é Deus.

Texto: Jostein Gaarder
Arte: Auguste Rodin

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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

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Indubitavelmente, raríssimas pessoas compreendem o caráter puramente subjetivo desse fenômeno em que consiste o amor e como é o amor uma espécie de criação de um indivíduo suplementar, distinto daquele que usa no mundo o mesmo nome, e que formamos com elementos tirados na maioria de nós mesmos.

Texto: Marcel Proust
Arte: Frank Dicksee

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domingo, 9 de janeiro de 2011

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Como a vida é um movimento rápido, um fluir continuo, mutante, como estamos sempre a nos despedir, indo a lugares, vendo pessoas, fazendo coisas. Só na chuva, às vezes, só quando a chuva cai, limitando seu raio de atuação que já é desgracadamente reduzido, só quando você senta e fica escutando ao lado da janela, enquanto o ar frio e úmido sopra suave na sua nuca – só aí você pensa e sente aflição. Sente o dia escorrer, esquivo como lisas minhocas rosadas, por entre os dedos, e você analisa o que tem aos dezoito anos, pensa no modo como consegue, com dificuldade e concentração, trazer de volta um dia, um dia de sol, céu azul e aquarelas á beira-mar. consegue se recordar das observações sensuais que tornam aquele dia real, e pode se iludir – quase – pensando que seria capaz de retornar ao passado e reviver os dias e horas num curto período. Que nada, a busca do tempo passado é mais difícil do que você pensa, e o tempo presente acaba devorado por essas buscas melancólicas. O filme de seus dias e noites está enrolado dentro de você, bem apertado, para nunca mais ser passado – e os flashbacks ocasionais são vagos, desfocados, irreais, como se os visse através da neve que cai. Agora você começa a ficar com medo. Não crê em Deus nem na vida após a morte, portanto não pode contar com o paraíso quando sua alma inexistente ascender. Você acredita que tudo precisa vir do homem, e o homem é bem criativo em seus bons momentos – muito maduro, muito perceptivo para a sua idade – quantos anos tem, agora? Quantos milhares de anos? Contudo, mesmo nesta era de especialização, de variedade e complexidade infinita e de uma miríade de escolhas, o que você pega para si no saco de surpresas? Gatos tem nove vidas, diz o ditado. Você tem uma; e nalgum ponto da fina linha tênue de sua existência há um nó cego, um coágulo, a batida suspensa que marca o final deste individuo em particular que se chama “Eu”, “Você” e “Sylvia”. Então você fica pensando em como agir, como ser – e você considera valores e atitudes. No meio do relativismo e do desespero, esperando que as bombas comecem a cair, que o sangue corra (como corre agora no Iraque, no Afeganistão, na Rússia) e escorra bem na frente dos seus olhos, você quer saber tomada por um enjoativo surto de pavor, como se agarrar à terra, às sementes da relva e da vida.


Sylvia Plath


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sábado, 8 de janeiro de 2011

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“Não dá para me enganar e escapar da constatação brutal de que não importa quanto você se mostre entusiasmada, não importa a certeza de que caráter é destino, nada é real, passado ou futuro, quando agente fica sozinha no quarto com o relógio tiquetaqueando alto no falso brilho ilusório da luz elétrica. E se você não tem passado ou futuro, que no final das contas são os elementos que formam o presente todo, então é bem capaz de descartar a casca vazia do presente e cometer suicídio. Mas a massa fria entranhada em meu crânio raciocina e papagaia, ‘penso, logo existo’ (...). Para que serve a boa aparência? Garantir segurança temporária? De que adianta o cérebro? Para dizer apenas ‘eu vivi e compreendi’?”.


Sylvia Plath


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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

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Eu, o vento

...Sou vendaval e brisa que a mercê da vida, às vezes sou conforto, às vezes incômodo. Às vezes paz, às vezes caos.

Eu, o vento, que sou incolor e frio, sou calor e sangue, que a mercê da vida, às vezes sou dor, às vezes rotina. as vezes sou morte, às vezes vida...


Eu, o vento, que sou órfão e só, sou carinho e carente, que a mercê da vida, às vezes sou colheita, às vezes plantio. Às vezes sou notado, às vezes esquecido.

Eu, o vento, que sou força e anemia, sou opressor e vítima, que a mercê da vida, às vezes sou vento, simplesmente.

Poema: Mário Nhardes
Arte: Andrew Wyeth

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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

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Saudade é não saber.
Não saber o que fazer com os dias
que ficaram mais compridos,
não saber como encontrar tarefas
que lhe cessem o pensamento.



Não saber como frear as lágrimas
diante de uma música,
não saber como vencer a dor de um
silêncio que nada preenche.

Poema: Martha Medeiros
Arte: Gustav Klimt

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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

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Persigo um pássaro
e alcanço, apenas,
no muro,
a sombra de um voo.

Poema: Helena Kolody
Arte: Georges Braque

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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

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Posso escolher entre ser constantemente ativa e feliz ou
introspectivamente passiva e triste.

Ou posso ficar louca, ricocheteando no meio.

Texto: Sylvia Plath
Arte: Egon Schiele

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